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O modelo operativo como resposta aos desafios do Wealth Managment

Retail Investment Strategy - 3/4

Este artigo foi escrito por Afonso Barbosa em colaboração com a FNZ

Evidenciámos anteriormente as principais áreas de intervenção da Diretiva RIS, bem como os impactos antecipados, transversalmente, ao nível do negócio dos produtores e dos distribuidores de produtos financeiros.

Vamos agora focar a análise nos efeitos ao nível dos modelos operativos. Procuraremos também evidenciar como decisões estratégicas corretamente alinhadas a este nível poderão ajudar os participantes da indústria a “navegar”, com sucesso, pelos desafios colocados ao nível do negócio.

Visão dos impactos nos modelos operativos

Perspetivamos alterações, desde logo, ao nível dos processos. Serão especialmente desafiantes nas atividades de front e middle-office, como consequência das restrições regulatórias e subsequentes alterações na oferta.

Mas terá implicações também nas atividades de suporte administrativo, nomeadamente dos distribuidores, pela abordagem massificada em aspetos do negócio hoje apenas disponíveis de forma restrita (eg. aconselhamento ao cliente).

Antecipamos pressões adicionais em quase todas as áreas funcionais, com um (novo) destaque para as atividades de gestão de produto e marketing, comerciais e gestão de investimentos.

Em conformidade, o ‘cost-to-serve’ da indústria deverá crescer, mas numa relação inversa com o âmbito e alcance das decisões de investimento em tecnologia e a opção entre internalização ou externalização de processos, por critérios de eficiência.

Isto é, os diversos players serão forçados a decisões que evitem uma subida descontrolada dos custos operativos, mas que também lhes permita um nível de eficiência que suporte uma superior escala de negócio e operacional. Por esse motivo, serão expressivos os investimentos em tecnologia e serviços. Perspetivamos um esforço material principalmente nas seguintes áreas:

- Na massificação da informação ao nível do customer experience, data gathering ou report analytics;
- No suporte ao aconselhamento, em áreas como o goal-based planning, suitability ou robo-advisory;
- Na gestão de investimento, em temas como análise de cenários, otimização de portfólios ou gestão de riscos.

Mas a complexidade dos requisitos e a inovação necessária deverão favorecer decisões de consolidação tecnológica, evitando o esforço de integração de soluções com diferentes níveis de maturidade. Fornecedores end-to-end serão por isso encarados, no futuro, como parceiros transformacionais.

Por fim, ao nível da gestão de pessoas, os players deverão promover uma reconfiguração de competências – nos skills relacionais, de research, arquitetura de produtos ou análise de custos – bem como a aplicação de padrões mínimos ampliados. Assistiremos ainda à procura de perfis multidisciplinares e com uma visão holística sobre os desafios que a indústria vai enfrentar.

Canco tradicional com negócio de WM baseado em tecnologia

Quando há três anos atrás uma instituição alemã com um modelo de banca universal, com elevada capilaridade em zonas não-urbanas, desenvolveu a sua estratégia de crescimento, a aposta na gestão de investimentos surgia como incontornável. Aumentar a penetração das contas de investimento na sua base de cerca de 700 mil clientes, maioritariamente seniores, era o principal objetivo. Nesse momento, as circunstâncias sobre as taxas de juro e a respetiva pressão sobre a margem financeira constituíam um fator de motivação adicional, mas o que se desenhava teria impactos estruturais e transversais no modelo de negócio e relacionamento com outros áreas da cadeia de valor desta organização.

Em parceria com a FNZ - o fornecedor global de plataformas tecnológicas para o sector de WM, colaborando com mais de 650 instituições financeiras líderes mundiais - foi desenvolvido um roadmap de transformação com 3 drivers principais: (i.) aumentar os AuA captados, (ii.) melhorar a performance dos investimentos e das respetivas margens do negócio e (iii.)controlar o cost-to-income da organização.

Através de uma nova experiência digital, envolvente para clientes, mas também motivadora e eficiente na perspetiva da força comercial, com intervenção e controlo nos pontos adequados, foi possível um aumento de cerca de 50% dos AuA. Constitui uma ilustração adequada do poder de jornadas hibridas, equilibrando pontos de contacto físico com processos remotos, automáticos e promotores graduais de self-service ajustado e às características de cada cliente.

Mas, para além das melhorias no acesso e interação, a transformação ocorreu ao nível da proposta de valor nuclear do banco, transitando da distribuição do fundos produzidos por terceiros, mais dispendiosos, para uma massificação da oferta de gestão discricionária que, para além de individualizada ao contexto e objetivos de cada investidor, incorpora soluções de investimentos mais simples e, no limite, com melhor value for money, como sejam portfólios-modelo baseados em ETFs. Na perspetiva do banco, esta expansão para um “território de produção” permitiu aumentar a margem em +20 bps.

Uma estratégia deliberada que antecipou o RIS

Num momento em que a reflexão sobre o impactos da diretiva RIS deve ocupar um espaço maioritário na agenda estratégica das instituições financeiras na Europa, este caso é visionário na medida em que antecipa movimentos a que os players podem vir a ser obrigados, ajustando os seus modelos de negócio, muito mais do que respondendo a requisitos jurídicos e de compliance.

Vários impactos da RIS, como a necessidade de uma linha de negócio DPM com uma oferta mais competitiva, ou um reporting analítico detalhado para cada cliente, são já asseguradas pela infraestrutura tecnológica atual do banco, integralmente suportada por soluções FNZ, que se estendem a temas tão díspares como os de macro-alocação de ativos ou goal-basedplanningindividualizado por cliente. Adicionalmente, nesta parceria baseada num modelo PaaS, foi possível evoluir sem incremento de headcount na instituição, sendo que a FNZ assume contratualmente o risco operacional de eventuais quebras de compliance ao nível dos processos operacionais e aplica um pricing variável em função da evolução nos AuA, partilhando o risco comercial de crescimento de negócio.

Embora sejam normalmente utilizados os exemplos de natureza anglo-saxónica para definir as ambições de desenvolvimento no negócio WM – devido a diversos fatores de contexto, como a maior literacia financeira dos investidores ou a sua responsabilização individual na preparação do período de reforma – este caso na Europa continental ilustra como é possível não apenas defender, mas também dinamizar uma componente relevante do produto bancário, num contexto comparável ao mercado português, sobretudo nos segmentos de clientes mais conservadores e de redes comerciais de menor sofisticação.

Como decisões no modelo operativo podem alavancar o negócio, num contexto regulatório complexo

Apresentamos um caso de estudo de um banco alemão de média dimensão que, para suportar uma decisão de negócio – implementar uma estratégia
de crescimento baseada no negócio de WM, através de serviços de gestão discricionária – preparou a abordagem e o desenho detalhado do processo transformacional do modelo operativo, incluindo aspetos críticos como:

(i) A seleção de parceiro tecnológico que disponibilizasse plataformas de suporte numa perspetiva end-to-end: os objetivos de negócio do banco implicariam alterações transversais nos processos de back e middle-office, mas a gestão perspetivava também a necessidade de uma abordagem radicalmente diferente à interação com a base de clientes e equipas de vendas. Por uma questão de robustez, capacidade de integração com os sistemas core do banco e eficiência no desenvolvimento do projeto, era assim crítica a seleção de um fornecedor com capacidades “full scope”;

(ii) Um outro tópico centrou-se na decisão sobre internalização e externalização de processos operativos. Processos críticos, nomeadamente os mais diferenciadores para a proposta de valor do banco, deveriam ser assegurados internamente, mas muitas das funções administrativas, nomeadamente nas áreas de back-office, poderiam ser externalizadas com ganhos de eficiência. Este tema foi também relevante na decisão sobre parcerias, nomeadamente na identificação de candidatos com valências tecnológicas e de serviços;

(iii) Incontornável para o sucesso do projeto foi ainda a constituição de equipas multidisciplinares conjuntas, i.e do banco e do parceiro tecnológico, na discussão e desenho do plano estratégico desde as fases inerentes ao modelo de negócio até ao desenho do novo modelo operativo. A abordagem permitiu uma mais eficiente integração entre know-how de negócio e operativo / tecnológico, a identificação de novas áreas que também careciam de intervenção, bem como a mais rápida deteção de necessidades de revisão em processos operacionais.

(iv) A perspetiva tecnológica apoiou, desde uma fase embrionária, as decisões sobre a proposta de valor do banco. As capacidades de front-end da solução tecnológica permitiram à equipa de projeto apresentar recomendações de “calibração” entre suporte digital e pessoal no advisory ao cliente, integrando desde logo os objetivos de negócio com as potencialidades disponibilizadas pela tecnologia.

(v) Por fim, o entendimento que o reposicionamento do negócio implicaria não só uma resposta nas áreas administrativas, mas também o upgrade das capacidades de investimento / aconselhamento, resultou na análise de como soluções tecnológicas do fornecedor - da gestão de riscos à otimização de portfólios - poderiam ser integradas no suporte, com superior eficiência, à nova oferta da instituição.

No contexto do caso apresentado, poderiam ser mencionados outros aspetos críticos ao projeto de reposicionamento do negócio e seu modelo operativo. Por outro lado, características e contexto de negócio de cada player podem gerar abordagens profundamente distintas aos desafios.

Mais do que evidenciar melhores práticas, o objetivo foi o de demonstrar, exemplificando, que embora sejam materiais os desafios inerentes à reconfiguração da indústria – reforçados pelo novo enquadramento regulatório – é possível endereçar os mesmos e promover o crescimento do negócio. Naturalmente, os investimentos necessários serão relevantes, nomeadamente os tecnológicos, tal como será a complexidade dos projetos de transformação, por serem transversais nas organizações.

Por estes motivos defendemos que a abordagem aos desafios da indústria de WM será, na sua base, de natureza estratégica.

Afonso Barbosa, Az.R consultants Managing Director